1 Ano
Foi há um ano que eu soube que tinhas partido antes de alguém me dizer, foi há um ano que eu disse à médica do hospital que não queria ouvir o que ela ia dizer, foi há um ano que a tua voz se calou e não voltaste a dizer que estava tudo bem, mesmo quando eu sabia que não estava, foi há um ano que eu disse que não queria saber a causa da morte porque não te trazia de volta.
Foi há um ano que te tirei inerte de dentro de uma camara frigorífica gelado por fora e tratei de ti com todo o cuidado, vesti o fato que tu já tinhas escolhido, porque tu eras assim, pensavas em tudo e decidias tudo com muita antecedência, nisso somos iguais. Penteei-te como tu gostavas, fiz-te a barba, tu detestavas ter a barba por fazer e coloquei o teu melhor sorriso poque tu estavas sempre a rir mesmo que a vida estive contra ti, mais uma coisa em que somos iguais.
Engoli o meu desejo e coloquei-te em velório, algo que eu sempre disse que não fazia, mas cedi, em nome de outras pessoas que gostavam de ti e em teu nome que querias que elas ali estivessem, para tu dizeres até breve.
Foi há um ano que me disseram que eu não me deveria envolver na preparação do teu funeral porque ia ser mais dificil ultrapassar a perda. Não, a perda não se ultrapassa apenas atenua a dor à medida que o tempo passa. E tratar de tudo há um ano atrás só fez com que eu aceitasse que tu já não estavas presente, eu não iria suportar que outras pessoas cuidassem de ti, ou que te vestissem, foi a forma que eu arranjei de fazer o luto, de fazer uma catarse da perda que sofri.
A última imagem que eu tenho não é de ti numa maca de hospital frio e inerte acabado de sair da câmara, nem tão pouco é a imagem de ti numa urna no meio de tanta gente que gostava de ti, quando fecho os olhos não te vejo assim, não te vejo sem vida, vejo-te junto das "tuas pessoas" a rir, a contar histórias, sempre, a comer e a beber que era como tu eras feliz.
Foi há um ano que eu deixei de partilhar esses momentos contigo e já há dias que eu consigo passar sem que as lágrimas me caiam sem eu as conseguir conter, mas não hoje, porque hoje foi o dia em tu me morreste, hoje é o dia em que eu me permito ser egoísta e dizer que me fazes tanta falta.