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acimadetudoviver

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Conto

Retrato de uma Vida - Parte I

23.08.22, acimadetudoviver

Hoje quando fui buscar a Inês à escola ela disse que tinha saudades do pai, eu fiquei atrapalhada, tive vontade de lhe dizer: "- eu também, filha!". Afinal foram 8 anos juntos, não se apagam 8 anos, apesar de ter sido eu a pôr um ponto final neste casamento porque é o correcto, eu não conseguia continuar sem amor.

Quando eu conheci o Pedro naquela festa da faculdade senti que era para sempre, senti que era com ele que eu queria estar e passar todos os dias da minha vida, mas a vida acontece todos os dias e vai alterando o seu caminho, deixamos de gostar das mesmas coisas, de querer as mesmas coisas e neste momento aquilo que nos une é só a nossa filha Inês e o empréstimo da casa.

Por isso, em vez de dizer à minha filha que também tinha saudades do Pedro, embarguei o choro e tentei disfarçar a voz e disse que assim que chegassemos a casa ligavámos ao pai para eles falarem.

Para quem termina um relacionamento não é mais fácil, pois a culpa instala-se, sobretudo quando é a mulher a terminar, é como se eu não tivesse esse direito e tivesse que continuar numa vida faz de conta. 

O Pedro quer respostas e o Porquê? é a questão constante e eu tento explicar que deixei de o amar, que as borboletas na barriga deixaram de bater as asas, que a Inês vai ser mais feliz se conseguirmos ser felizes em separado, ao invês de continuarmos juntos e infelizes.                            O Pedro não se conforma, não depois do fim-de-semana que passámos em família e que foi óptimo e estavamos bem e a Inês adorou tudo e isso fez me sentir tranquila, em paz, mas eu não posso continuar a enganar-me e a enganá-lo por causa de um fim-de-semana e o resto da nossa vida? Como é que fica? A nossa filha não pode viver uma vida enganada.

Ontem telefonei-lhe para dizer a data em que vamos assinar o divórcio, senti que ele estava quase a chorar, e também eu tive que fazer um esforço para não chorar, disse-lhe que depois combinávamos as horas a que ele viria buscar a Inês, foi a forma que arranjei para disfarçar o choro.                  Como é que eu faço para não sentir o que estou a sentir, para seguir em frente, para ter coragem, o sentimento de fracasso é enorme, é como um projecto inacabado que ficou pelo caminho e que nunca se irá finalizar, pelo menos não na sua forma inicial de família composta, este projecto irá ter continuidade sim, mas através da nossa filha e agregando outras pessoas, quem sabe?

Outra pergunta que se impõe quando um casamento chega ao fim é se há mais alguém? Não sei dizer o número de vezes que respondi a esta pergunta, primeiro o Pedro e depois todas as pessoas a quem fui contando a nossa separação, família, amigos, enfim. Como se deixar de amar o Pedro não fosse suficiente, como se não fosse um motivo válido; é preciso haver uma segunda pessoa e no fundo há, a segunda pessoa sou eu, pois é preciso dois para um casamento se realizar, assim eu escolhi-me a mim, eu escolhi a minha felicidade e por conseguinte a felicidade da Inês.

O que eu mais quero agora é que o Pedro perceba e que ele consiga ultrapassar esta dor e que seja capaz de continuar por ele e pela Inês.

Depois de lidar com o choque do Pedro com o fim do casamento, tive de lidar com o choque dos meus pais.

" - Tu estás confusa!" - dizia a minha mãe

" - Isto é de um tremendo egoísmo! Tu por acaso pensaste na tua filha? E a Inês? - o meu pai estava entre o incrédulo e o exaltado.

E eu no meio a tentar explicar que sim, eu estava sobretudo a pensar na Inês, que ela tem o direito a ter uma vida com amor e que o facto de esta separação ter tido início em mim, foi sobretudo a pensar na Inês que eu tomei esta decisão, porque a Inês será muito mais feliz com os pais separados e com muito amor, do que estando juntos e infelizes.

O meu pai deixou de estar incrédulo para ficar chocado com as minhas palavras. " - Tu não estás a pensar no que estás a dizer! Tu já pensaste se tivesses sido tu a passar por esta situação? Achas que eu e a tua mãe não tivemos dificuldades na vida? Tu por acaso achas que a nossa vida foi sempre um mar de rosas?"                                                                                                                            Optei por não responder, fosse o que fosse que eu dissesse naquele momento só ía fazer crescer a sua indignação, o meu pai precisa de tempo para assimilar tudo isto e eu também, levar uma bronca aos 35 anos de idade dos pais não é fácil!

A minha mãe em tempos de crise rapidamente recupera o discernimento e para acalmar a situação disse: " - esta noite ficas com a menina no teu antigo quarto que amanhã organizamos melhor tudo, agora do que estamos todos a precisar é de uma noite bem dormida para apartir de amanhã podermos tratar de tudo o que aí vem.".