Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

acimadetudoviver

acimadetudoviver

Conto

Retrato de uma Vida - Parte II

24.08.22, acimadetudoviver

Ainda me custa a acreditar que isto me está a acontecer, que eu estou a viver esta situação, parece um sonho, um sonho não, um pesadelo. Vou-me beliscar para ver se é verdade " - Ai! És mesmo parvo, Pedro!", claro que é verdade! 

Ontem após um mês da Joana ter saído de casa com a minha filha, a minha princesa, nem sei como é que eu tenho conseguido viver sem ela junto de mim todos os dias? Mas ontem, a Joana ligou-me para dizer a data da marcação na Conservatória para assinarmos os papeis do divórcio. E pensar que há 6 anos atrás estavamos exactamente na Conservatória a marcar o nosso casamento e agora chegou ao fim. Quando ouvi a voz da Joana do outro lado, por breves instantes, pensei que ela me ía dizer que fora um engano, que estava confusa e que ela e a Inês íam voltar para casa.  Não, foi apenas para me dizer que vamos assinar o divórcio dali a duas semanas, duas semanas e acaba tudo o que construímos em 6 anos.

As mulheres tem uma forma elaborada de terminar relações, pelo menos a Joana têm, tinhamos ido passar o fim-de-semana ao Alentejo a um desses Turismos cheio de experiências pseudo-inovadoras que temos mesmo que fazer, com animais de quinta e horta onde se fazem actividades com os miúdos para que eles aprendam de onde veêm os alimentos e não acreditem que surgem nas prateleiras do supermercado por artes mágicas.

Quando chegámos a casa depois de um fim-de-semana bem passado e sem que nada fizesse prever o que viria a seguir, eis que a Joana chega ao pé de mim depois de eu colocar a Inês para dormir e lhe ter contado a história da princesa que perde o sapato na escada do palácio assim que dá as doze badaladas e a carruagem que se transforma em abóbora e os cavalos em ratinhos do campo e ela própria em criada pela enésima vez, mas a Inês diz-me sempre: " - gosto tanto da história da Cinderela" e eu não tenho coragem de lhe dizer que as histórias de príncipes e princesas sempre com finais felizes são apenas isso, histórias.

Pois, assim que regressei à sala já com a Inês a dormir a Joana disse-me que já não era feliz, que já não sentia o mesmo por mim, que as borboletas na barriga tinham desaparecido e que não fazia sentido continuar um casamento onde já não havia amor. O que não me estava a fazer sentido era tudo o que ela estava a dizer, creio mesmo que a certa altura deixei de ouvir o que a Joana estava a dizer.

 - "Pedro! Pedro! Estás a ouvir? Não dizes nada?"

 - "O quê? Pois! Não sei..."

 - "Não sabes?! Eu digo que vou sair de casa e quero divorciar-me e tu dizes que não sabes?! Não estou a acreditar!"

Quem não está a acreditar sou eu, o que ela quer que eu diga, que implore! Pelos vistos não adianta de muito, ela já decidiu! 

 - "E a Inês? como estás a pensar dizer-lhe?"

 - "Eu acho que devemos dizer-lhe os dois, dizer-lhe que os pais já não gostam um do outro, mas que ela continua a ser muito amada por eles."

 - "Pois, pelos vistos pensaste em tudo!

- "Pedro, por favor não tornes tudo mais díficil, não vais querer continuar um casamento que já não tem pernas para andar."

 - "Eu não sei o que dizer, Joana, talvez tenhas razão, mas eu continuo a amar-te e continuo a querer estar casado contigo, por isso não consigo dizer mais nada agora. Preciso de pensar e assimilar tudo."

- "Eu sei que não é fácil, para mim também não é, mas eu não te consigo enganar, Pedro, eu não consigo enganar-me a mim. Vais ver que daqui a uns tempos percebes que foi o melhor."

 - "Vou-me deitar, agora não consigo ter mais esta conversa."

Um mês, já passou um mês e ainda não acredito que o meu divórcio vais ser uma realidade.                A Joana foi com a Inês para casa dos pais que fica nos arredores de Lisboa, pelo menos até vendermos a casa. E eu? E eu, pois ainda não sei, estou ainda dormente com tudo o que está a acontecer, nem sei para onde vou, nem onde vou colocar tudo o que não vender. Eu nem consigo decidir o que quero vender ou dar ou ficar, e como vai ser com a Inês? A Joana falou em guarda partilhada com ela a viver uma semana comigo e outra semana com a mãe, mas como é que eu faço isso? Se eu ainda não tenho casa e se não consigo arranjar casa próximo da escola da Inês? E as actividades extra-curriculares? Não consigo pensar, nem decidir nada e de cada vez que a Joana telefona ela já tem tudo organizado e já decidiu tudo o que vai fazer a seguir, e mais a pensão de alimentos da Inês e eu ainda nem se quer me habituei à ideia de que as duas já não estão comigo.

O Nuno lá do escritório dizia-me que o divórcio foi a melhor coisa que lhe aconteceu, mas ele diz isso porque a ex mulher mudou-se para o Algarve e ele só está com o filho nas férias e depois eu também nunca percebi aquele casamento com a Isabel, eles passavam mais tempo a discutir ou separados do que propriamente a viver juntos e depois também ele sempre a sair com outras mulheres, estando ou não casado com a Isabel.

 - "Tens de te divertir, Pedro! A vida são dois dias!"

- "Mas eu divirto-me com a Joana e com a minha filha!"

Bom ou talvez não, pelo menos é o que se vê, já nem sei, se calhar o Nuno tem razão e eu devia era arranjar uma namorada em vez de me andar a lamuriar. Mas eu já nem sei como é que isso se faz depois de seis anos de casamento com a Joana e mais dois de namoro, é uma vida, está tudo diferente, até as pessoas. Agora há uma quantidade enorme de aplicações de encontros e para conhecer pessoas, mas não é melhor cara a cara?! E se a pessoa não é igual às fotografias da aplicação, e se afinal em vez de 30 anos tem 50 anos e com bigode?! Não sei se me consigo adaptar e se consigo usar essas aplicações, e o que é que eu vou escrever na apresentação, eu não sei falar sobre mim, nem vou para ali escrever uma série de atributos que não tenho.

Com a Joana foi diferente, conhecemo-nos numa festa da faculdade, eu já tinha bebido uns copos, estava mais falador, ela estava a dançar com as amigas e eu juntei-me ao grupo delas e começamos a falar, primeiro sobre a música da festa, depois sobre os colegas da turma e sobre os locais onde passávamos férias e até descobrimos que íamos sempre para a Praia das Maçãs só que em alturas diferentes e até tínhamos um amigo em comum. O Rui do café da aldeia, onde havia uma mesa de matrecos e uma máquina de flippers, havíamosde combinar encontrarmo-nos lá e foi assim que começámos a namorar nesse Verão na Praia das Maçãs, marcámos encontro no café do Rui depois do jantar para um jogo de flippers e no dia seguinte fomos à praia e depois de uma semana a levá-la a casa após o nosso encontro no café do Rui consegui ganhar coragem e roubar-lhe um beijo mesmo junto às barracas de venda de tralhas e bugigangas para a praia.

 - "A Joana, a Joana sempre a Joana. Oh, Homem deixa-te disso! Não vais escrever uma tese, só precisas de pôr lá umas quantas coisas que as mulheres gostam de ler e esperar que elas mordam o isco."

 - "Falar é fácil, e a fotografia e se nota a barriga é que eu já não tenho 20 anos e não vou tantas vezes aoa ginásio como eu queria."

- "Eh pá, oh Pedro, cala-te pá!Deixa cá ver isso que eu faço o teu perfil, senão com isto tudo ainda viras eremita.", 

Eu não lhe posso dizer isto senão ele não se atura, mas às vezes tenho alguma inveja do Nuno. Com ele é tudo mais fácil, ele é mais confiante e as mulheres?! Parece que lhe caem todas aos pés! E eu a carpir as mágoas pela Joana.